Ana Rocha: “A programação é feita com muito carinho, amor, rasgo e intuição"

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Ana Rocha: “A programação é feita com muito carinho, amor, rasgo e intuição"
Ana Rocha: “A programação é feita com muito carinho, amor, rasgo e intuição"

Nos dez anos deste programa municipal que procurou descentralizar a programação cultural e inverter a tendência de levar as pessoas até às salas de espetáculo, fazendo o caminho inverso, conversamos com aqueles que fizeram deste objetivo uma missão cumprida. São dez histórias de gente que fez do Cultura em Expansão uma iniciativa que, assumidamente, rima com sucesso. Nesta edição, damos voz a Ana Rocha, um dos rostos por detrás da programação destes últimos anos.

 

Não há uma fórmula certeira para explicar a pertinência e relevância de um determinado projeto. Depende de quem o faz, de quem o vive, de quem o experiencia, da maneira como se avalia. Depende de fatores internos e externos, de processos mais ou menos simples, de procedimentos eficazes, de resultados lentos, longos ou imediatos. Cada um terá a sua explicação, a sua forma de medir essa importância, consoante a forma como se envolve na execução da ideia.

 

Mas há momentos que passam à frente de tudo, como se, sem querer, a realidade acabasse por consumir, de forma voraz, o esforço e tempo do trabalho desenvolvido. “Parece-me um bocado estúpido, eu sei, mas conseguir tirar os meus pais de casa, que raramente o fazem, para verem o Camané no Cultura em Expansão é motivo de um grande orgulho”. O barómetro desta felicidade não consegue subir mais, a memória que guarda é a mais feliz de todas e é a fórmula perfeita para dar nota máxima a um projeto que mexeu indelevelmente com os limites da cidade.

 

Ana Rocha tem 41 anos e uma assinatura bem presente nos anos mais recentes deste programa municipal. Numa tarde dos inícios da primavera, sentados em bancos de pedra nas Fontainhas, espaço que escolheu para esta conversa por ser “o coração da sua cidade”, deixa que o vento transporte as palavras que lhe saem da boca (e da cabeça), de forma desabrida.

 

Falar do Cultura em Expansão é falar de sucessos, de surpresas, de angústias e medos, receios, de vitórias e certezas. É falar de uma ideia que, não sendo originalmente sua, a adotou como (quase) sua. É falar com orgulho por ter sido capaz de continuar um legado que nasceu e cresceu. Que deu frutos. Que se espalhou, depois concentrou, que criou público(s), que originou história(s).

 

Quando tudo acaba, há sempre um caminho que começa

 

“Já te conheço há mais de 20 anos, já viste como o tempo passa?” A pergunta, entre sorrisos, que surge de forma espontânea da entrevistada para entrevistador, no início da conversa, nesta inusitada troca momentânea de papéis, abre caminho à partilha de memórias de um passado onde o tempo tinha outro tempo e a idade… outra idade. Tal como o momento em que regressa ao Porto, depois de uma experiência no exterior, e muito devido a uma figura ímpar na cidade: Paulo Cunha e Silva. “Foi ele que me convenceu a regressar, envolvendo a minha antiga associação [a Mezzanine] numa série de programação em vários espaços”. Durante anos, e para além da colaboração em dezenas de projetos, viu nascer o Cultura em Expansão pelas mãos do então vereador. Seguiu, atenta, os primeiros passos de um programa que tinha tudo para dar certo (e que acabou mesmo por dar certo!). Tudo parecia perfeito.


Mas nem sempre as coisas correm como esperado. O Cultura em Expansão estava quase a entrar no segundo ano de vida quando, inesperadamente, morre Paulo Cunha e Silva. Foi o primeiro grande choque, mas a história continuou. Para ela, enquanto espectadora. Para o programa, enquanto motor de desenvolvimento cultural. Uns anos mais tarde, em 2018, a associação de Ana Rocha tem também um fim. E em 2019 aqui está, sem trabalho, a ver uma cidade em permanente ebulição.

 

“Até que há um dia em que estava a trabalhar num restaurante na Rua da Picaria e toca o telefone”. Do outro lado, uma voz familiar. “Era o Guilherme [Blanc, antigo adjunto do vereador da Cultura e atual diretor do Batalha Centro de Cinema]. Estava à procura de alguém para trabalhar neste programa e ajudar a reformular o projeto”. Ficou surpreendida, não quis acreditar, até porque, diz, tem fama de “ser maluca”, o que leva a que algumas pessoas tenham ideias preconcebidas sobre o seu trabalho.


Lá foi, corria o mês de junho de 2019. “A primeira coisa que me lembro de lhe dizer é que devia haver programações noutros sítios. Reformulámos o projeto e concentrámos a apresentação em quatro polos de programação: Miragaia, com a Confederação; Bouça, com a Sonoscopia; Campanhã com a Visões Úteis; e a Pasteleira com o apoio do Teatro do Frio”, diz Ana Rocha. Porque a ideia inicial, recorda, era “fazer transbordar a arte e a cultura em todo o lado, nesta cidade. Fazer ver que eram tão importantes como a saúde e a educação”.

 

Falar é fácil, colocar em prática é que não foi pera doce. “Mas fomos buscar uma série de pessoas geniais, reforçar o apoio que lhes era dado, fazer coproduções com os artistas, as associações recreativas e culturais de moradores”, revela. É como se atirasse uma pedra para um charco parado, fazer mexer locais que estavam acomodados ao silêncio, à modorra dos dias, à inexistência na cidade. “Mas tudo só foi possível com uma equipa empenhada, da qual destaco a Sílvia Fernandes, a Rita Maia, o Tiago Espírito Santo, a Margarida Andresen e o Nuno Rodrigues, entre muitos outros”.

 

Novo ciclo que se abre ao fim de dez anos

 

“A programação é feita com muito carinho, amor, rasgo e intuição. Ninguém te ensina a fazer isso. Se tem hipóteses de falhar? Tem. Se tem hipóteses de risco? Tem sempre. Mas só aí é que te surpreendes”, confessa a programadora, que lembra com carinho os projetos do Teatro Comunitário do Bonfim, o surgimento do Grupo Operário do Ruído, o “concerto do Bonga a abarrotar, a Lena d’Água com sala cheia e o quadro elétrico a ir abaixo 500 mil vezes”, ri.


E tudo isto acontece, ano após ano, desde 2019. “É como se hoje chegasse ao território e todos me abrissem a porta, é consequência de um trabalho no terreno. Já lá vão uns seis, sete anos. Dá-me prazer ir ao senhor Virgílio e pedir “não tem aí um rissolinho?’, ‘Não, menina, já não tenho rissóis’, “mas estou cheia de fome, arranje-me aí’ e ele lá me vai ver o que consegue. Ou seja, é como estares em casa. As pessoas tratam-te com afeto porque tu também tratas as pessoas com afeto”.

 

No fecho de um ciclo de dez anos, é tempo de fechar tempos. De abrir novos horizontes. O Porto de 2024 não é mais o Porto de 2014. Evoluiu, cresceu, expandiu-se. “Tem de ser aberto um novo projeto e tem de ser muito bem pensado, tem de ser feito com muito cuidado. Para quê inventar um espaço novo quando há tantos espaços que podem ganhar novas vidas, com gente que quer fazer coisas, com qualidade e sentido?”, atira Ana, perante o olhar de quatro rapazes que tentam, desesperadamente, colocar um carro a funcionar. “O Cultura em Expansão é um projeto muito importante e eu estou nos sítios quando eles fazem sentido. Não estou nos sítios para ‘escalar’ ou para ganhar estatuto, estou porque acredito naquilo que é feito”.

 

Não pensa muito quando a pergunta é direta. Responde de rajada. Sobre o Cultura em Expansão não restam dúvidas. “Representa, para mim, a oportunidade de concretizar um projeto que alguém não concretizou porque faleceu antes da hora. E sinto, com todos os ossos, que é uma missão cumprida. E sinto, com todo o espírito, que é um projeto que tem as suas dificuldades, que tem as suas falhas, como todos os outros. Mas é um projeto de equipa, de todos. Das estruturas independentes, das coletividades e, sobretudo, das pessoas que participam”


O vento corre veloz, os olhos perdem-se no horizonte, quando a última frase é dita, quase em tom de devoção. “Pode ser um pouco lamechas dizer isto, mas o Cultura em Expansão é uma paixão e sem paixão não se faz nada”. É como a frase final de um filme, em que a câmara se afasta e aparece a cidade, ao fundo, com as suas diversidades. Uma síntese perfeita do alcance que o programa teve ao longo de dez anos. Um horizonte a perder de vista e uma história com capítulos por contar.

 

Texto: José Reis

Fotos: Rui Meireles

Apoio: Sara Santos


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